Entrevista: Maurício Ramos Marques, realizador de “Wannabe” (PR)

Algumas perguntas a Maurício Marques, realizador do filme “Wannabe”, selecionado para a Mostra competitiva de curtas e médias-metragens do CineEsquemaNovo. “Wannabe” é o terceiro curta-metragem de Maurício Marques, diretor que tem trabalhado em projetos autorais, como os curtas “A Greve” e “Um Eu Todo Retorcido”, e também na composição de trilhas sonoras para filmes de realizadores parceiros,  Fábio Allon e Aly Muritiba – este último também selecionado para a Mostra competitiva de curtas e médias do CEN com o filme “Dia 1 p.m.

Sinopse: Uma senhora há muitos anos acostumada a uma vida solitária e pacata é surpreendida com a chegada de um estranho casal de vizinhos. A presença do casal e os sons vindos do apartamento vizinho deixam a senhora extremamente perturbada, despertando nela uma curiosidade obsessiva e doentia.

 Assista ao trailer de Wannabe:

 CEN – “Wannabe” é uma ficção que aborda um tema original que raramente é abordado no cinema. Porque a escolha deste tema?

Na verdade, a opção por esse tema é muito mais uma conseqüência do que uma finalidade. A idéia de incluí-lo surgiu em um dado momento em que o roteiro ficou paralisado e eu não sabia como concluí-lo. Já tinha construído todo o mistério em torno do casal de vizinhos e daí eu me perguntei: E agora? Fiz então uma pesquisa sobre as mais diversas parafilias. Parafilias são os diferentes fetiches que uma pessoa pode ter. Eu estava à procura da pior delas. Foi então que eu me deparei com uma chamada apotemnofilia. Essa parafilia diz respeito à extração de uma parte do corpo para provocar satisfação/prazer em si mesmo ou no parceiro sexual. Há várias modalidades. Uma delas chama-se wannabe. Diz-se wannabe, a pessoa que quer ser amputada em alguma parte de seu corpo pelo parceiro. Para essas pessoas, ter órgãos sadios é uma sensação incômoda, tão incômoda que elas sentem a necessidade de se verem amputadas. A amputação é uma espécie de realização. Havia um trecho de uma cena do filme em que um dos personagens explicava um pouco o que é isso. Porém esse trecho, além de não ter ficado tão bom dramaticamente, destoava bastante do restante do filme, propositalmente vago. Decidi em cima da hora retirá-lo. Acho que a sensação de dúvida e vazio que a falta dessa informação poderia provocar no espectador me atraía muito mais. A escolha propriamente desse tema vem de um interesse meu, que eu tenho notado ao longo dos roteiros e idéias que eu tenho tido, de trazer à tona temas que dizem respeito às anomalias provenientes do ser humano, de mostrar o lado que ninguém quer ver. Perece que esse ingrediente, em maior ou menor grau, tem servido como uma espécie de estimulante para que eu me sinta motivado a fazer um filme. Sinto-me muito mais atraído pela sensação de incômodo, constrangimento e mal estar que um filme pode provocar, do que um sentimento de empatia, bem estar e ternura, que por sinal tem sido uma constância em alguns filmes que têm aparecido. Quero deixar claro que não tenho nada contra essa opção. Gosto desses filmes também. Nada impede que eu vá por esse caminho algum dia também. O objetivo do “Wannabe” na realidade é tratar de um drama urbano. Todas as pessoas, sem exceção, possuem alguma anomalia; alguma característica estranha, que difere essas pessoas das outras. O que eu fiz foi exagerar a dose dessa anomalia ao extremo, como uma espécie de ironia.

CEN – Em “Crime Delicado”, a personagem principal também possui apenas uma perna. Alguma relação com o longa-metragem de Beto Brandt?

O que me interessou no “Crime Delicado”, filme que eu gosto bastante, por sinal, principalmente, foi a escolha do diretor por um personagem com uma característica incomum. Achei genial a idéia de incluir uma atriz sem uma perna. Gosto da estranheza que esse filme provoca. Gosto também da sutileza que Beto Brandt teve, em todo o filme. Apesar de eu estar tratando de um tema tão escabroso, procurei ser sutil, sem cair no sensacionalismo. Mas na verdade é difícil eleger um filme que seja o mais representativo em termos de referência. Há na verdade várias referências de vários diretores nesse filme, como Martin Scorsese, Michael Haneke, Ingmar Bergman, David Lynch, Godard, Antonioni, Buñuel, dentre outros. Mas no caso do Wannabe, pensando agora, Roman Polanki talvez tenha sido o diretor mais influente. Gosto muito dessa idéia da trilogia do apartamento, de retratar a imundice da vida urbana. Interessante como o filme Repulsa ao Sexo foi uma referência antes e depois de escrever o roteiro. Sem ter visto o filme, apenas lendo o título e a sinopse, parti de uma idéia semelhante, utilizando elementos como o mistério em torno da trama, do personagem perturbado e reprimido, do humor negro, da exploração do lado escabroso que há nos apartamentos, das pessoas estranhas que habitam e rondam o condomínio. Por sinal, o prédio onde moro tem alguns personagens bastante bizarros. Sem ter visto o filme eu supus que “Repulsa ao Sexo” tinha esses elementos, pois eu já tinha visto alguns filmes e lido a respeito da obra do Roman Polanki dessa fase dos anos 60/ 70. Principalmente o filme “Bebê de Rosemary”, que pode se dizer que também é uma influência. Depois de ter finalizado o roteiro é que finalmente assisti ao Repulsa ao Sexo, e realmente, ele dialoga bastante com o “Wannabe”. A idéia da alucinação da personagem do Repulsa ao Sexo está bastante presente na personagem do “Wannabe”, interpretada por Claudete Pereira Jorge. Mas como eu disse antes, o caso da amputação é um elemento puramente acidental.

CEN – Que tipo de reações e comentários seu filme gera no público?

Reações das mais variadas. Notei que algumas pessoas ficaram um tanto incomodadas com a falta de legendas quando há a incidência do idioma francês. Também notei risos em algumas sessões. Achei ótimo. O filme realmente tem humor. Algumas pessoas vieram me dizer que não entenderam nada. E também houve pessoas que se sentiram perturbadas ou incomodadas de alguma maneira em relação ao filme. Mas nesse caso é uma perturbação interessante, o filme quer causar isso mesmo.

CEN – No que você está trabalhando neste momento?

Acabou de começar a pré-produção do meu próximo curta-metragem que está sendo produzido pela Processo Multiartes. Chama-se “A Verdade Falará”, um dos selecionados no Edital Mecenato Subsidiado, daqui de Curitiba. Também está para sair o longa-metragem “Circular”, filme dirigido por Bruno de Oliveira, Fábio Allon, Adriano Esturilho, Diego Florentino e Aly Muritiba, no qual participei como compositor da trilha sonora, trabalho que também venho realizando com uma certa freqüência.  

Sobre Cine Esquema Novo

Pensado desde 2001, realizado desde 2003, o Cine Esquema Novo é um festival que usa a palavra "cinema" no sentido mais amplo possível.